Nesta semana, uma comissão mista do Congresso Nacional aprovou um novo parecer para a Medida Provisória 1154/2023, que trata sobre a restruturação da Esplanada dos Ministérios. O relatório retira atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, em mais uma ofensiva do Legislativo que demonstra a dificuldade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em conseguir que as pautas de seu governo sejam aprovadas no Congresso.
Com as dificuldades do governo petista em montar uma base parlamentar aliada, o Congresso Nacional tem cobrado do Palácio do Planalto uma reformulação da articulação política, com uma mais participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Lideranças parlamentares relataram à CNN que é preciso mais diálogo de outros integrantes do primeiro escalão do governo com senadores e deputados, pois o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, estaria sobrecarregado.
No WW de quinta-feira (25), o analista de política da CNN Caio Junqueira e o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, falaram sobre como o “poder” parece estar nas mãos do Legislativo, e não mais do Executivo.
“Quem passa a ter base nos últimos meses e nessa nova realidade política não é mais o Poder Executivo. Quem tem base ou não tem base, e quem avança com a agenda e tem o poder de fato é o Congresso Nacional. Não é mais ‘quantos deputados o governo Lula tem?’, é o contrário. É o governo Lula querendo se infiltrar no arranjo político do Congresso”, avaliou Junqueira.
“Tem uma mudança fundamental na estrutura de poder no Brasil. A transformação de um orçamento autorizativo em um orçamento impositivo mudou o polo de poder do Executivo para o Legislativo. Hoje, o Legislativo não precisa mais negociar com o Executivo a liberação das emendas e isso faz uma diferença monumental”, comenta o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo. Ele falou sobre o assunto no programa WW nesta semana.
A cientista política Beatriz Rey, pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, aponta que o Legislativo vem se fortalecendo institucionalmente desde os anos 2000.
Ela cita a mesma mudança mencionada pelo economista José Márcio Camargo: as reformas que tornaram o repasse de emendas individuais e coletivas uma imposição para o Executivo.
“O Executivo perde o poder de barganha na liberação das emendas pra formação de base legislativa”, comenta a pesquisadora.
Além disso, ela diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou aos presidentes da Câmara e do Senado o trabalho de intermediar e gerir uma coalizão parlamentar de base do governo. “Então, o Congresso sai do governo Bolsonaro muito mais fortalecido”, completa Rey.
A professora Graziella Guiotti Testa, da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (EPPG-FGV), concorda com ela: “Nos últimos quatro anos, essa intermediação do presidente da República com o Congresso foi feita pelo presidente da mesa [diretora].”
“A gente está em um momento em que o Arthur Lira [presidente da Câmara] não quer perder protagonismo de jeito nenhum, e o Lula segue querendo fazer essa negociação via partido”, diz Testa.
No entanto, ela não acredita que o fortalecimento do Legislativo seja duradouro, justamente por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a ilegalidade das emendas de relator, o principal instrumento utilizado pelo presidente da Câmara para gerir a relação entre o governo e o Congresso.
“Até agora ele se sustenta e se mantém porque ainda há emendas do ano passado que estão sendo executadas. Mas até quando ele vai conseguir distribuir esses recursos?”, fala Testa.
O professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE-FGV) Carlos Pereira, no entanto, não acredita que tenham ocorrido grandes alterações institucionais que justifiquem uma mudança no balanço de poder.
Ele aponta como principal motivo das derrotas recentes do governo no Congresso outro fator, que ambas as especialistas também citaram como essencial: a dificuldade do governo Lula em formar uma coalizão parlamentar.
“Não é por falta de recursos que o governo Lula está enfrentando dificuldades. As dificuldades decorrem da decisão de montar uma coalizão com um número muito grande de partidos – 14 siglas. E partidos, esses, muito heterogêneos e distantes da preferência mediana agregada do Legislativo”, diz Pereira.
Graziella Guiotti Testa concorda e diz que a coalizão do governo não está formada e que Lula precisa dedicar mais tempo e atenção para construir sua base parlamentar.
Beatriz Rey aponta que parece faltar uma estratégia definida da parte de Lula. “A sensação que eu tenho é que a articulação política do governo ainda está capenga. Então, acho que o governo precisava […] de articulação política ali no chão do Legislativo.”
“Acho que o governo tem que passar por cima da ideia de que basta distribuir ministério, basta distribuir cargo, basta distribuir emenda. O governo tem que fazer uma articulação política contundente e constante para que não tenha situações como aconteceu essa semana, com a MP [dos ministérios]”, completa Rey.