A Brisa do Aracati, por Misael Nóbrega de Sousa

Jornalista e escritor, Misael Nóbrega Sousa.

A BRISA DO ARACATI


Há lugares em que o tempo se demora mais… – E debruçado, preguiçosamente, nas horas, tecem os fios do destino… – Iguais às Moiras da mitologia grega. E é, justamente, aí onde as pessoas se acostam. Às portas das casas, conservam o hábito de apreciar “a brisa do Aracati”. E que bom que ainda existem circunstâncias que afrontam a violência descomedida das metrópoles. Abuso que faz regrar a mais singela das falas à boca da noite, como língua de trapos. Embora eu não saiba dizer quanto se aguentarão desinfetados, tais moradores.

Nesses arrabaldes, o terreiro é o parque de todas as crianças; ali, é onde se empoçam as chuvas eventuais; e, é, também, onde crescem os pés de tamarindos que nos remetem a Augusto dos Anjos. Quando o sol, por fim, descamba e a sombra (secreta) da noite aparece… – Um cheiro doce de sereno exala de tudo que é liberto.

Lugarzinhos acanhados que resolvem seus conflitos por meio do diálogo frouxo. Há quem se contente com pouco. E a esses, a condição de sossegados. Uma rua inteira com suas calçadas alegres – E, em cada uma delas: duas ou mais vidas. A conversa é que, as vezes, escapa na ligeireza da fala; e, vira futrica. Mas, isso é, igualmente, peculiar. Além do mais, a Virgem Maria no mês de maio absolve todas as maldades miudinhas. O andor, adornado de flores colhidas em bacias, vai batendo de porta em porta, até “encontrar abrigo nos corações…”

E, quando pensei que já tinha visto de tudo, uma procissão de vagalumes sai de trás da lua, fosforescendo àquela noite morna. Pareceu-me ainda que Deus brincava de atirar estrelas cá embaixo. Tudo, então, foi confundido com o firmamento.

Assim como chegam, quase a mesma hora, sem muito alarde: o casal de velhinhos; a moça bonita que namora às terças e quintas; a viúva da frente com seu luto eterno, a costureira alcoviteira… – Recolhem-se, feito uma rendição coletiva, pois os bocejos estão cada vez mais acentuados.

Após o fechar de portas e janelas… – Os gatos traquinam na cumeeira das casas. O barulho da rede ringindo e um sopro de vento, lá fora, levam as últimas frases pelas ruas semidesertas… – E são, também, prenúncios da madrugada que se avizinha. Passos, apressados, ecoam nas calçadas. Alguém resolveu amarrar as conversas para o dia seguinte.

Misael Nóbrega de Sousa