A Face do Pai, por Misael Nóbrega

95
Jornalista e escritor, Misael Nóbrega Sousa.

A FACE DO PAI


O filho é o pior arquétipo da genealogia humana. Recém-nascido, suga da mãe as energias da vida… – E também: a enfeia, a debilita e a deprime. Usa o choro como denúncia de maus-tratos. E não há afago que o acalente. Dependurado nas tetas da aleitação, surrupia o seu sustento. Assim, dependente, habitua-se à chantagem relegando a mãe à escrava de seus horários famintos e às humilhantes sessões de higienes fecais.

Espera na comodidade dos panos, até que venham os primeiros passos… – E o que deveriam ser desafios viram recompensa. Ainda pequeno, é transformado num boneco-falante. É quando os pais materializam as suas frustrações: um tipo de compensação pelo que lhes foram negligenciados… E, dão aos filhos, em confiança, as tristes lembranças dos progenitores. – Assim, mal-educadas, aquelas criaturinhas reclamam para si tudo o que veem: coisas que se quebram como os devaneios da pouca idade.

Logo chega a adolescência, sepultando uma infância de que nem se recordam. O que importa é se descobrir. A sua casa não é mais um porto-seguro. Então, ele se permite e passa a acreditar no mundo. – O filho é acometido de uma falsa alegria. E nada pode lhe desviar dessa experienciação. Não é a queda é o voo. Mais do que se conhecer, testar os próprios limites.

E, quando acredita que já celebrou de tudo, as imagens vão se desintegrando. – E ele edifica, na liberdade aparente, uma nova prisão, cujos tijolos são os seus dias… – E onde foram agrilhoados os desejos (e esses são também os seus pecados), que o leva à forca de cordões umbilicais. O tempo, então, apresenta-lhe à seletividade…- É quando se rompe a efígie de filho e o espelho reflete a face do pai.

Agora, trabalha uma forma de bloquear o sentimento. Pai e mãe passam a ser figurações de um filme real. E ele encontra no canto mais denso da racionalidade, uma forma de acomodá-los ali… – Pacientes de si mesmos. Até que se desintegre o cenário de gratidão. Às noites, vem o remorso… – Mas, tudo some com a aurora prima. E segue vivendo a representação cênica dele mesmo.

Por fim, o filho enterra os únicos que lhe quiseram bem… – E que nunca exigiram dele outra coisa que não fosse o perdão.

Misael Nóbrega de Sousa