Reconhecida mundo afora, cachaça da PB desestabiliza elitismo e conquista espaço

Os brasileiros possuem uma relação muito íntima com a bebida alcóolica. Não há um fim de semana em que os bares e restaurantes espalhados pelo Brasil não encontrem diversos clientes e frequentadores preparados para “tomar uma” depois de uma semana de trabalho ou estudos. Faz parte da tradição brasileira e dos brasileiros: a festa e a boêmia.

Obviamente, todas as consequências do excesso da bebida alcóolica são gigantes. Mas quando consumida com moderação e cada um respeitando seus limites biológicos, há poucas maneiras melhores de socializar, criar vínculos e acumular experiências.

Cada pessoa tem o líquido favorito, seja ele destilado ou fermentado. A cerveja, por exemplo, é uma das grandes favoritas do brasileiro, devido ao seu sabor de cevada e trigo, preço acessível e baixa teor alcóolico. Outros preferem um elegante uísque, que também é bastante apreciado mesmo possuindo um preço mais elevado.

Entretanto, a cerveja, o uísque, a vodca, o gin, nenhuma delas representam o Brasil. Somente a cachaça é um verdadeiro símbolo do que é a bebida alcóolica brasileira. Apesar de não ser oficialmente criada no Brasil, sua aparição e ascensão surgiu em solos brasileiros, ainda na época onde pertencia aos portugueses.

As técnicas de destilação da cana de açúcar, já conhecida pelos portugueses, ganhou mais espaço e novas habilidades num país tropical e rico da matéria-prima. Na América Latina, os destilados são muito culturais, como por exemplo a tequila no México e o rum, na América Central.

Na Paraíba, a bebida não só é bastante apreciada pela população, como também se tornou referência nacional e polo econômico. O ano safra do produto, em 2022, foi mais de 25 milhões de litros produzidos do Litoral ao Sertão. Inclusive, o reconhecimento ultrapassa as fronteiras do Brasil e alcança o mundo. O turismo também entra em cena, com os engenhos presentes na Paraíba.

Um dos maiores exemplos é a cachaça Triunfo, que venceu recentemente o prêmio de Melhor Proposta Turística, da premiação desenvolvida pela Organização Mundial de Jornalismo de Turismo, no Panamá. As empresárias Maria Júlia Baracho e Luciana Balbino representaram a empresa e levaram o troféu para Areia, no Brejo paraibano.

“Bebida de pobre”

Apesar de serem tempos muito bons para a produção de cachaça, com direito a reconhecimento econômico, social e turístico, a realidade nem sempre foi essa. Devido ao seu preço acessível, o destilado ganhou adeptos das classes mais baixas da sociedade, e produzia pensando nesse público-alvo. O problema, porém, não está em quem consome ou quanto custa, mas naqueles que julgam.

A cachaça passou a ser considerada pelas classes mais abastadas como uma bebida de pessoas pobres, inferiores, desclassificadas. Os que condenavam o consumo da bebida eram os mesmos que preferiam um uísque importado, ou uma cerveja artesanal: eles não queriam ser vistos com uma cachaça na mão.

O elitismo da sociedade minava o potencial econômico que a cachaça mostra atualmente. Quais eram as pessoas que desejavam sair do supermercado ou chegar em bares e restaurantes com um litro da bebida? Praticamente ninguém, a não ser quem realmente precisava. Portanto, o preconceito foi a primeira barreira que Maria Júlia encontrou no seu negócio.

“A gente fazia estratégias para que a cachaça fosse um produto que alcançasse o local que ela está agora. E a gente começou a fazer isso com as embalagens. Então, todo mundo tomava uma cachaça de litro. A gente começou a colocar as cachaças numa garrafinha pequena”, relatou Maria Júlia Baracho ao programa Hora H, da Rede Mais Rádio, nesta última quarta-feira (13).

“Na época, as pessoas achavam feio botar um litro de cachaça na mesa. Mas não se incomodariam se colocasse duas, três garrafinhas pequenas”, disse. “Isso mudou completamente ao ponto de que, naquele momento, a gente só comprava dizendo que estava comprando para cerveja. Hoje, qualquer portfólio de qualquer empresa que faça e venda bebida está nos destilados”, concluiu.

No caso de Areia, o apoio de institutos como o Sebrae e o próprio Instituto Federal da Paraíba (IFPB) alavancaram a produção e a quebra de paradigmas. Atualmente, a bebida deixou de ser vista como algo feio, “de gente pobre”. As classes mais ricas também viram o desempenho e a qualidade — e o potencial econômico —, fazendo com que a bebida crescesse e ganhasse o mundo.

Uma história de amor

A jornada de Maria Júlia com a cachaça é de amor. Apesar de sua história profissional com a bebida ter quase 30 anos de existência, a relação é antiga e afetiva. O sonho de viver de cachaça era, na verdade, de seu marido. Desde adolescente, ele cravava que, quando crescesse, faria a melhor cachaça de Areia. Foi assim que ela escolheu com quem se casaria.

O marido de Maria Júlia realmente conseguiu realizar esse sonho, mas produzindo uma cachaça que revirava os olhos e queimava a garganta de qualquer pessoa. Obstinados a melhorar isso, o casal contou futuramente com cursos, aulas e eventos para profissionalizar o produto.

Antes de ser empreendedora, ela também era fã da bebida. Seu pai era garçom, a favorita das tantas profissões que assumiu na vida. Ele ensinou sua filha a beber corretamente a cachaça: “uma boa cachaça é aquela que não desce queimando na garganta”, dizia.

Apesar de toda essa relação próxima com a família, o amor também é pela cidade de Areia, pelo Brejo paraibano e pela Paraíba. Seu sucesso gerou concorrência na região, mas não apagou a chama e a força de trabalho. O prêmio no Panamá não é só da cachaça Triunfo, mas também da Paraíba.

“Nós conseguimos colocar na prateleira do turismo internacional o nosso território. Onde a gente vive, onde a gente decidiu o que vai desenvolver, que vai viver, criar nossos filhos, criar nossos netos e que vai morrer”, afirmou Maria Júlia.

Leonardo Abrantes – MaisPB